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ALM em Instituições Financeiras: Escopo e Instrumentos de Gestão

A atividade bancária é um negócio de alta complexidade, diversidade e competitividade, envolto por profunda regulamentação. Se seu maior propósito é otimizar o retorno, em meio aos riscos de suas operações, a unidade ALM (assets-liabilities management) exerce um papel fundamental na gestão das finanças e dos riscos nas instituições financeiras, atuando como entidade central no gerenciamento integrado da estrutura dos ativos e passivos, e dos fluxos de recursos financeiros para as demais unidades do negócio.


Diante das transformações dos segmentos de negócio e da diversificação dos instrumentos financeiros, a atividade ALM ganhou relevância nas últimas décadas, à medida que os gestores das instituições aprimoraram suas estruturas, processos e técnicas. No caso do Brasil, sua evolução ocorreu de diferentes formas: houve quem a inserisse em áreas já existentes ou quem criasse diretorias exclusivas à atividade.


A definição clara e objetiva das funções e responsabilidades do ALM em instituições financeiras é um grande desafio, o qual pretendo, aqui, enfrentar. Alicerçado em minha experiência profissional nas áreas de finanças e riscos de bancos de grande e médio porte, e nos manuais de Adam (2008)[1] e Choudhry (2011)[2].


Desta forma, elenco, a seguir, o conjunto das atribuições fundamentais na declaração do escopo do ALM em instituições financeiras.


1. Gerenciamento da "posição do usos e fontes" alinhado ao "gap de prazos"

Consiste no processo de montagem do balanço gerencial. De um lado (direito), as fontes de originação de recursos (ou funding), desde a composição do excedente de capital em caixa, captações de mercado até depósitos de clientes; e, de outro lado (esquerdo), a alocação em ativos (ou usos), tais como a liquidez e títulos, ativos de créditos até os ativos corporativos. O demonstrativo dos usos e fontes é o melhor instrumento de gestão para visualizar a estrutura integrada entre os ativos e suas fontes nos passivos — considerando a diversidade de instrumentos de captação de mercado, direcionamentos obrigatórios, capital próprio, descasamentos estruturais, necessidades de hedge, entre outros. Dito de outra forma, consiste num “outro olhar” além do balanço contábil. A posição dos usos e fontes tem a missão de ser um documento de fácil compreensão pela administração da estrutura do balanço e da organização dos negócios de uma instituição financeira.


De forma complementar, o usos e fontes associa-se ao gap de prazos (também conhecido como liquidity gap ou funding gap), responsável por exibir o decaimento, ou descasamento, dos fluxos contratados de instrumentos financeiros ativos, passivos e derivativos, desequilíbrios temporais, opcionalidades comportamentais dos clientes e seus impactos nas necessidades de funding no curto, médio e longo prazos. A análise de cenários, no funding gap, está diretamente associada aos impactos no risco de liquidez, ou risco de funding.


2. Gerenciamento da posição de liquidez e risco de liquidez

Consiste no processo de monitoramento e de tomada de decisões acerca da projeção de liquidez consolidada da instituição, caso tenha várias entidades jurídicas, e dentro de uma combinação de cenários. Evidencia-se, aqui, o controle das disponibilidades, compulsórios e da carteira de títulos públicos.


O risco de liquidez está relacionado com a capacidade de manutenção de recursos financeiros disponíveis e livres para a continuidade das operações da instituição financeira. O montante deve atender à capacidade de honrar, eficientemente, seus compromissos, sejam eles previsíveis ou inesperados.


3. Precificação interna do funding: Taxa FTP

Consiste no processo de precificação interna dos recursos no ALM, ao estabelecer a taxa interna a ser cobrada nas operações de ativos de crédito, ou a taxa FTP (funds transfer pricing). A precificação do funding é o elemento central no modelo interno da gestão dos ativos e passivos, elaborado a partir de metodologias internas extremamente técnicas.


A precificação interna nas instituições financeiras deve ser feita em duas etapas. A primeira é de responsabilidade da unidade ALM, partindo da taxa de emissão dos instrumentos de captação e adicionando os custos, tais como a taxa do Fundo Garantidor de Crédito, custos internos de originação, de carregamento da liquidez e do funding gap até a definição da taxa FTP. A taxa deve ser considerada como o custo do funding para os ativos de crédito nas áreas de negócios.


A segunda etapa da precificação não deve pertencer à unidade ALM. Sugere-se que a tarefa seja executada pelas áreas de suporte técnico, mesas de ativos ou de apoio nas negociações comerciais. Essa parte consiste na definição do spread interno mínimo (spread interno é a diferença entre a taxa do ativo de crédito e o custo do funding) para definição da taxa final do ativo de crédito, ao somar a taxa FTP mais spread. A definição do spread mínimo também demanda uma metodologia, dentre as quais se destaca a identificação dos custos a serem alocados nas áreas comerciais, tais como as perdas de crédito, custos da estrutura, tributação; e adicionando, dentro do spread, um patamar de retorno do capital econômico alocado a partir da técnica do RAROC (risk-adjusted return on capital).


4. Gerenciamento das posições no Banking Book

A posição do balanço gerencial de ativos e passivos, ou o usos e fontes, adicionado da posição de contratos de derivativos, deve ser dividida em dois blocos: i) posições da carteira bancária, denominada Banking Book, será gerenciada pela unidade ALM; e ii) posições da carteira de negociação, denominada Trading Book, será de responsabilidade da tesouraria. ALM e tesouraria são duas unidades distintas: a primeira trata do risco de taxa de juros na carteira bancária e a segunda, do risco de mercado em suas exposições aos fatores de riscos (juros, moedas, ações e commodities).


Em se tratando do Banking Book, o risco de taxa de juros será proveniente, por exemplo, de uma posição, em que há uma taxa de juros variável na captação (geralmente atrelada a um índice) e um ativo, seja título ou crédito, contratado a uma taxa fixa. Caso ocorra um aumento abrupto do índice da captação, essa situação deverá provocar perdas financeiras na instituição.


A unidade ALM será responsável pela gestão dos riscos da taxa de juros existentes no Banking Book, utilizando-se de um leque de reports originados no MIS (management information system), a destacar: exposição na abertura e intraday, fluxos futuros, sensibilidade a juros, medidas de medição de perdas (VaR ou EaR), limites internos, entre outros.


5. Gerenciamento dos resultados no Banking Book

Consiste no gerenciamento do resultado apurado, via margem financeira gerencial, nas posições do Banking Book, ou o P&L (profit and loss) do ALM. Sua gestão abrange duas visões do P&L: i) o resultado realizado, tanto no conceito contábil-gerencial na curva da taxa contratada, quanto no conceito da marcação a taxas futuras de mercado; e ii) o resultado a ser realizado no futuro, RaR (resultado a realizar) ou EGL (embedded gains and losses), considerando as taxas futuras de mercado sobre as exposições futuras.


A unidade ALM deve ser considerada como uma unidade de geração de resultados na instituição financeira (ou profit centre), de modo que a geração de P&L, no Banking Book, poderá contribuir para o aumento da rentabilidade na instituição.


O processo ALM permite aos gestores ter uma visão expandida e abrangente das posições e eventos na margem financeira da instituição, muito além do apresentado nos demonstrativos contábeis.



Conclui-se que, no conjunto de atribuições do ALM, acima mencionado, a conexão entre os instrumentos e técnicas é incontestável. A título de ilustração, para compreender as necessidades de captações, identificar eventual déficit de liquidez ou decidir estruturar um hedge, deve-se montar o usos e fontes, gerar o funding gap, analisar o fluxo futuro e a sensibilidade no Banking Book, bem como apurar os impactos no P&L e no capital. Existe uma gama de modelos no ALM que se auto relacionam: o modelo funding gap analisa os fluxos futuros e impactos na liquidez, o modelo de sensibilidade das variações das taxas de juros analisa os impactos no P&L, modelo de hedge visa identificar necessidades de proteção e da otimização de cenários, modelo de previsibilidade das opcionalidades comportamentais, entre outros.


Ainda que a unidade ALM seja a responsável pela execução das atribuições acima descritas, o processo inicia-se com o comitê de gestão dos ativos e passivos, o ALCO (assets-liabilities committee), responsável por tomar as decisões estratégicas da unidade ALM. Ainda segundo Adam (2008) e Choudhry (2011), as atribuições do ALCO podem ser descritas como: i) aprovar e implementar as políticas e limites; ii) debater e aprovar as metodologias e critérios na gestão; iii) aprovar os cenários de análises do estresse e avaliar seus impactos no balanço, liquidez, funding e resultados; e iv) alinhar os objetivos estratégicos de crescimento aos planos de captações e alocação dos recursos. Os seus integrantes primordiais devem ser os líderes das áreas de finanças, riscos, tesouraria e área comercial de negócios com clientes, além, é claro, do presidente.


Posto isto, observa-se que a missão primordial do ALM em instituições financeiras é identificar toda a vulnerabilidade na gestão da estrutura dos ativos e passivos, alinhado ao nível desejado de apetite a riscos, e assegurar a continuidade de suas operações. Um bom modelo ALM deve ser aquele que melhor responde às questões e indagações procedentes da Administração:


  • Estamos gerenciando nossa estrutura de funding alinhada com alocação nos ativos, bem como a posição de gaps de taxas de juros e liquidez?

  • Temos um bom processo de projeção da liquidez, a definição da nossa liquidez ideal e o domínio das variáveis capazes de afetá-la?

  • Estamos precificando adequadamente o custo do funding para a precificação dos ativos de crédito?

  • Estamos monitorando nosso gap de taxa de juros, bem como análise dos impactos tanto nas posições quanto nos resultados?

  • Temos a compreensão da originação da margem financeira nas unidades de negócios, trading/banking book e do capital no institucional?

  • Nossa estratégia e planos de negócios nos segmentos comerciais estão alinhados com as orientações no ALM?


Enfim, qual o “melhor” modelo para tentar responder estas perguntas? Eles devem ser debatidos e adaptados ao seu modelo de negócio. A implementação da estrutura de gerenciamento e das atribuições definidas no escopo do ALM é, evidentemente, uma das tarefas mais desafiadoras à administração das instituições financeiras.

 

(*) José do Socorro Assis, economista, pós-graduado em finanças, mestre em administração pela PUC-SP, atuou nas áreas de planejamento, controladoria e riscos no Unibanco, Fibra e Pine. Atualmente é instrutor e consultor (www.sentier.com.br).


[1] Adam, Alexandre. Handbook of asset and liability management: from models to optimal return strategies. John Wiley & Sons, 2008.

[2] Choudhry, Moorad. Bank asset and liability management: strategy, trading, analysis. John Wiley & Sons, 2011.

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